segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Fluvia Lacerda e a resposta essencial



- Você tem vergonha do seu corpo?

- Você já fez dieta?

- Você não pode dizer o nome do seu companheiro?

Para todas as perguntas, a mesma resposta.

Não.

Period. (saudades de Nana)

Hoje, Marília Gabriela entrevistou a modelo plus size brasileira mais famosa nesse mundinho de meu deus, Fluvia Lacerda. Linda, leve, tranquila na sua beleza real, Fluvia, que se deu ao luxo (correto) de não colocar nenhuma adequada camisa com decote em V, nenhuma calça comprida preta reta de cintura alta, nenhuma listra horizontal em cores neutras, me parece um pouco desconfortável no começo da entrevista.

Bem, quem não se sentiria, né, Marília Gabi Gabriela? 

Pois a entrevistadora mais famosa do Brasil é reconhecida não por suas perguntas contundentes, nem por extrair grandes e únicas declarações de seus entrevistados. Também sua fama não reside no mérito de ter vendido muitos cds, nem nos seus papéis memoráveis em novelas das quais ninguém mais lembra o nome. 

Na verdade, Marília é mundialmente conhecida por ter namorado um rapaz 435 anos mais jovem. E, em menor escala, alcançou certa celebridade por ser uma entrevistadora que sempre se coloca acima daqueles que ousam dividir com ela um espaço em sua mesa de vidro fumê da Tok Stok. 

Mas a entrevistada da noite era interessante, e, no mínimo, esperei saber um pouco mais sobre a vida dessa diva em ascensão no meio dessa nossa tão querida crise da representatividade pós-moderna. 

Só que não. 

Fazendo uso da notória arrogância, Marília (posso te chamar assim, colega?) pautou a entrevista basicamente na tentativa de entender como aquela moça, ali na frente, já balzaquiana, manequim 48 e que ainda por cima ousava declarar nunca ter feito dieta na vida - ou seja, uma extraterrestre - conseguia se aceitar e ainda ser feliz com isso.

Cho-ca-da.

As perguntas, essencialmente, versaram sobre a questão da (não) aceitação do corpo, como se a pessoa bem resolvida na frente dela fosse algo um tanto estranho e absolutamente questionável. Desconfiada, Gabi insistia: "mas, como assim?" e pedia detalhes. Detalhes do tipo o que a moça usava na praia, maiô ou biquíni. 

"Biquíni", natural e impassível, Fluvia responde e, surpresa, Marília insiste: "mas você não fica reparando no corpo das outras mulheres, das outras acima do peso, como você?"

E, novamente, a resposta, certeira como a morte: 

Não.

Realmente, é surpreendente. Quase ultrajante. Uma mulher, com uma beleza cotidiana e possível, gorda, e que, ainda por cima, NÃO TEM PROBLEMAS DE AUTOESTIMA tem que ser presa, claro. Internada. Foge à normalidade, e, pelo amor de Deus, tragam a camisa de força, o rivotril, e uma arma. 

Mas, talvez, ela esteja mentindo... hum. Tentarei por outros modos. 

(claro que, aqui, não seria relevante saber qual o autor preferido, como é sua relação com seus filhos, qual o seu maior sonho ou qualquer outro tipo de pergunta feita, por exemplo, para o cantor da outra semana - magro, naturalmente).

E a pergunta subliminar, por trás de tudo, era "mas como assim, você se aceita, se nem as magras se aceitam?". Que ocultava, na verdade, uma questão mais profunda:  "mas, como assim, você se gosta, se até eu tenho uns probleminhas aqui de autoestima?"

E cadê assessoria, cadê produção, para combinar os assuntos que não devem ser mencionados? Não é toda celebridade que quer se expor, ou melhor, expor sua vida para além da imagem. Por que saber o nome do marido/namorado/companheiro é tão relevante? Pois é, não, não é. E creio que se a Fluvia caísse na armadilha e respondesse, aposto que a questão seguinte seria: "e como vocês se conheceram?" Pra, dali, emendar: "ele é gordo também?", Para, em caso negativo seguirmos com um "e como foi possível ele se apaixonar por você?". 

Conjecturas à parte, o mais triste e desconfortável foi ter de lidar com a pergunta mais imoral que poderia ter sido feita: "Nos EUA, os homens preferem peitos grandes. No Brasil, nádegas. Onde você se sente mais feliz?" 

Que merda é essa? A felicidade da mulher (ou será, principalmente, da mulher plus size?) deve ser pautada a partir das "preferências" do sexo oposto? Fluvia não respondeu, e riu. 

Aos idiotas, o meu silêncio. 
Ou melhor:



Risível e triste. A insistência e recorrência nas questões relativas à inveja, baixa autoestima, e estranhamento só reproduzem uma visão social a respeito de qualquer corpo que seja fora da norma. O corpo gordo, o corpo velho, o corpo homossexual, o corpo negro. Mas a modelo contornou bem, e ainda tentou, com certo esforço, trazer à tona discussões sobre o papel da moda, sobre o consumo consciente, sobre o real interesse em se estabelecer padrões de vestuário que mascaram estratégias de marketing sob o signo de uma estética do que "cai bem" e do que não "cai". Políticas do corpo que escondem estruturas discursivas de poder e lucro, que acabam dilacerando uma quantidade incomensurável de vidas, sonhos e sorrisos. 

E à Marília, deixo aqui meu apelo. Giane já superou tudo, e tá feliz, arrasando no fervo em Copacabana. Que tal você abandonar esse ar de "conteúdo" e ir comer um chocolate? 

Fluvia ficou um charme dizendo "não" toda hora. Dizer não é uma arte que todo mundo precisa aprender.

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